O Dalai Lama é cultuado por milhões de pessoas como a reencarnação do Buda da Compaixão. Atualmente, Tenzin Gyatso é considerado, segundo a tradição religiosa, a 14ª manifestação da santidade.
Ele recebeu o prêmio Nobel da Paz por sua dedicação à libertação não violenta do Tibete. Entretanto, juntou algumas polêmicas durante sua vida — a mais recente repercutiu nesta semana, quando viralizou um vídeo dele beijando uma criança na boca e a pedindo que “chupasse” sua língua.
Discurso de paz e controvérsias
Ex-líder de um governo estabelecido na Índia durante seu exílio, a presença de Dalai Lama e sua reencarnação pode gerar uma crise política na China. Em 2002, por exemplo, ele afirmou que o país asiático deveria abraçar a democracia se o país quisesse ser uma grande potência mundial nos próximos anos.
Nesse ano, também criticou a “guerra contra o terrorismo” liderada pelos Estados Unidos, pontuando que o uso da força para derrotar os criminosos ignora os problemas subjacentes que levam ao terrorismo.
Em 2014, o jornal alemão Die Welt publicou uma entrevista com o Dalai Lama na qual ele sugere acabar com a tradição de escolher um líder espiritual para o povo tibetano.
O artigo gerou discussões sobre se ele estava declarando que não reencarnaria, mas, mais tarde, fez um esclarecimento durante uma entrevista à BBC, dizendo que “cabe ao povo tibetano” se outro Dalai Lama surgirá após sua morte.
Em 2018, sugeriu que a Europa deveria ser mantida para os europeus, ao falar sobre o aumento do nível de refugiados africanos entrando no continente.
O líder espiritual afirmou que a Europa deveria acolhê-los e oferecer-lhes educação e treinamento, mas, em outro comentário, avaliou que os migrantes devem retornar à “sua própria terra”, com apenas “um número limitado” autorizado a permanecer no continente.
“Toda a Europa (irá) eventualmente se tornar um país muçulmano? Impossível. Ou país africano? Também impossível”, comentou, acrescentando que é melhor “manter a Europa para os europeus”.
Em 2019, Dalai Lama afirmou em uma entrevista para a BBC que, se uma mulher fosse sucedê-lo, ela “deveria ser mais atraente”. Em comunicado à época, seu escritório pontuou: “Sua Santidade genuinamente não quis ofender. Ele lamenta profundamente que as pessoas tenham se machucado com o que ele disse e oferece suas sinceras desculpas”.
Seus representantes destacaram que o líder espiritual se opõe à objetificação das mulheres e apoia a igualdade de gênero; sob sua liderança, monjas tibetanas no exílio ganharam graus Geshe-ma – um alto nível de bolsa anteriormente reservado apenas para monges do sexo masculino.
Ele já havia dito à emissora britânica em 2015, entretanto, que um futuro Dalai Lama poderia ser uma mulher, mas teria que ser bonito ou “não [seria] muito útil”.
Quem é Dalai Lama?
Segundo a crença budista, os Dalai Lamas são considerados as manifestações do Bodhisattva (Buda) da Compaixão, que escolheu reencarnar para servir ao povo. Ainda conforme a religião, ele reencarnou 13 vezes desde 1391, quando nasceu o primeiro de seus encarnados. Normalmente, um método antigo é usado para encontrar o novo líder.
A busca começa quando o Dalai Lama anterior morre. Às vezes, ela é baseada em sinais que a encarnação anterior deu antes de morrer.
Em outras, os principais lamas – monges ou sacerdotes de vários níveis de idade que ensinam o budismo – seguem para um lago sagrado no Tibete, chamado Lhamo Lhatso, e meditam até ter uma visão de onde procurar o sucessor.
Em seguida, eles enviam para o local da visão grupos de busca por todo o Tibete, à procura de crianças que são “especiais” e nascidas um ano após a morte do Dalai Lama, de acordo com Ruth Gamble, especialista em religião tibetana na Universidade La Trobe em Melbourne, Austrália.
Assim que encontram vários candidatos, as crianças são testadas para determinar se são a reencarnação do Dalai Lama. Alguns dos métodos incluem mostrar a elas itens que pertencem ao lama falecido, ou seja, a encarnação anterior.
Este Dalai Lama, o 14º Dalai Lama Tenzin Gyatso, é considerado a 74ª manifestação de Avalokiteshvara Bodhisattva, o Buda iluminado da compaixão. De acordo com sua biografia oficial, sua descoberta aconteceu quando ele tinha dois anos.
Ele nasceu em 6 de julho de 1935 (87 anos), em Taktser, Amdo, no Tibete Oriental, onde apenas 20 famílias lutavam para viver da terra. Seu nome de nascimento era Lhamo Dhondup.
Ainda pequeno, ele reconheceu um lama sênior que havia se disfarçado para observar as crianças locais e identificou com sucesso vários itens pertencentes ao 13º Dalai Lama, seu antecessor.
Em sua autobiografia, “Minha Terra e Meu Povo”, o Dalai Lama escreveu que lhe foram entregues conjuntos de itens idênticos ou semelhantes (incluindo rosários, bengalas e tambores) nos quais um deles pertencia à encarnação anterior do Dalai Lama e outro que era comum. Em todos os casos, ele escolheu o objeto correto.
Os tibetanos normalmente se referem a Sua Santidade como Yeshe Norbu, a Joia que Realiza Desejos, ou simplesmente Kundun – A Presença.
Ele viajou por vários países com uma mensagem de tolerância religiosa e cultural e de paz, tendo recebido o Prêmio Nobel da Paz em 1989, em reconhecimento por sua luta não violenta pela independência de seu país.
O líder espiritual está na Índia desde 1959, após um levante tibetano malsucedido contra as forças de ocupação chinesas. Mais tarde, ele estabeleceu um governo no exílio, na cidade de Dharamshala, no norte da Índia, liderando milhares de tibetanos que o seguiram até lá.
Desde 1974, disse que não busca a independência da China para o Tibete, mas uma “autonomia significativa” que permitiria ao país preservar sua cultura e herança. Hoje, o governo da China o vê como um separatista.
Ele afirmou anteriormente que quando fizesse 90 anos decidiria se deveria reencarnar ou não. Entretanto, essa questão ultrapassou a barreira religiosa e pode gerar uma crise política na China.
Em 2007, o Departamento de Assuntos Religiosos do governo chinês publicou um documento que estabeleceu “medidas de gerenciamento” para a reencarnação de Budas tibetanos vivos.
O documento afirma que as reencarnações de figuras religiosas tibetanas devem ser aprovadas pelas autoridades governamentais chinesas, e aquelas com “impacto particularmente grande” devem ser aprovadas pelo Conselho de Estado, o principal órgão do governo civil da China.
O Dalai Lama acrescentou que, se optar por reencarnar, a responsabilidade de encontrar o 15º sucessor recairá sobre o Gaden Phodrang Trust, um grupo com sede na Suíça que ele fundou após ir para o exílio para preservar e promover a cultura e apoiar o povo tibetano.
Também destacou que sua reencarnação deveria ser realizada “de acordo com a tradição do passado”. “Vou deixar instruções claras por escrito sobre isso”, ressaltou em 2011.
A reencarnação do Dalai Lama nem sempre foi encontrada no Tibete. O quarto Dalai Lama foi encontrado na Mongólia, enquanto o sexto Dalai Lama nasceu no que é atualmente Arunachal Pradesh, na Índia.